Edelvânio Pinheiro*
Há anjos que não têm asas. Têm estetoscópio pendurado no pescoço, jaleco no ombro e o coração cheio de gratidão pela terra onde nasceram. Em Itanhém, esses anjos aprenderam cedo, com seus pais, que empatia não faz mal a ninguém.
Cresceram entre ruas de barro e o cheiro de café passado em coador de pano. Um dia precisaram partir, porque a necessidade de vencer na vida quis que fossem pra longe do aconchego da família, que enfrentassem noites insones, livros abertos e uma interminável agenda de estudos. E venceram. Mas o que os faz realmente grandes é o fato de nunca terem esquecido de onde vieram.
Hoje, Dr. Patrick, Dr. Adriano, Dr. Luis Gustavo, Dra. Carol, Dra. Taciara, Dra. Graziela — juntamente com o apoio do enfermeiro André Correia e Paulinho Correia, que cuidam da logística e dos exames de eletrocardiograma — voltam de tempos em tempos à terra natal, guiados por aquilo que os próprios anjos mais admiram: a vontade de servir.
Eles chegam dirigindo seus próprios carros, gastando a própria gasolina, trazendo no peito uma missão que nenhuma instrução acadêmica explica. Chegam com o mesmo olhar de quem reconhece cada rosto, cada casa, cada história. E ali, nas salas simples dos postos de saúde ou de um cômodo improvisado na zona rural, transformam dor em esperança, desespero em alívio, solidão em cuidado.
Neste sábado, em Ibirajá, cerca de 160 pessoas — homens, mulheres, idosos e crianças — lotaram o posto de saúde em busca de um profissional para ouvir um pouco de seu sofrimento ou preocupação, em busca de um diagnóstico, um remédio, ou talvez apenas uma palavra de quem, de fato, saberia dizer o que eles estavam sentindo. Entre os atendimentos, dois pacientes foram encaminhados ao hospital com suspeita de infarto. E foi ali, naquele instante, que se entendeu o verdadeiro sentido do verbo salvar.
O projeto que eles levam nas mãos, batizado de Dr. João Demétrio Borges, é mais do que um cuidado com a saúde dos conterrâneos, é um gesto de amor coletivo. Em cinco anos, já são mais de dois mil atendimentos e 1.700 exames de eletrocardiograma.
Mas o que conta mesmo é o que não entra nas estatísticas. O sorriso que volta ao rosto de quem já sofria calado, o remédio entregue na hora certa e o toque de humanidade que devolve dignidade a quem já não esperava mais nada.
Esses médicos, enfermeiros e voluntários — todos filhos da mesma terra que um dia os viu partir — voltam agora como anjos de jaleco para lembrar que a solidariedade é o maior milagre que o ser humano pode realizar.
E quando o último paciente se despede da equipe, quando o sol começa a cair e a poeira cobre as rodas dos carros no caminho de volta, eles retornam para casa com a alma leve.
Leve porque sabem que nenhuma distância é capaz de apagar o amor que sentem pela sua terra, nem a vontade de servir ao próximo. Leve porque compreendem que, mesmo depois de tantos atendimentos e quilômetros percorridos, o coração do saudoso Dr. João Demétrio Borges continua pulsando em Itanhém, inspirando cada gesto de cuidado, cada olhar de compaixão, cada toque de esperança em quem mais precisa. E é por isso que, merecidamente, o nome dele deu nome ao projeto, porque ele segue presente em cada vida amparada, em cada história que não deixa de respirar porque um simples eletrocardiograma anteviu o sofrimento de toda uma família.
*Edelvânio Pinheiro é bacharel em Jornalismo pela Católica (UCA), foi editor do jornal Alerta de Teixeira de Freitas e correspondente do A Tarde, de Salvador, na extinta sucursal do extremo sul, e é diretor-geral do site Água Preta News. É também radialista, ex-chefe de jornalismo da Rádio Extremo Sul de Itamaraju e diretor-geral da Rádio Master FM, de Itanhém. Escritor, autor de sete obras, incluindo uma obra infantojuvenil publicada no Brasil e em Portugal pela editora Flamingo, possui licenciatura em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e é pós-graduado em Ciências Políticas.
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